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Dossiê Big Food: a interferência da indústria nas políticas alimentares

O documento expõe os conflitos de interesse entre setor público e privado na elaboração de políticas alimentares no Brasil.

Laura Toyama Cardoso de Souza

26 de jan de 2023 (atualizado 27 de ago de 2024 às 19h40)

As políticas de alimentação no Brasil estão suscetíveis, quase sempre, aos interesses do setor privado, como conglomerados de grandes empresas. Pensando nisso, é necessário compreender a fundo quais são as interferências que acontecem nos bastidores da política alimentar do país. Em live do Painel Brasileiro da Obesidade, Marília Albiero, engenheira química, e Janine Coutinho, nutricionista, especialista em saúde coletiva e doutora em nutrição humana apresentam o Dossiê Big Food, documento que reúne os principais casos de conflitos de interesse envolvendo setor público e privado no que diz respeito ao setor alimentício.

O documento analisa oito casos em que empresas ligadas à produção e distribuição de alimentos e ao agronegócio ameaçaram, de forma sistemática, políticas públicas que pretendem melhorar a qualidade da alimentação da população brasileira. Sua principal finalidade é expor os problemas e explicar de forma clara para a sociedade civil para que haja maior envolvimento na luta por melhores condições alimentares. “Faz parte da nossa função como sociedade civil expor as ações político-corporativas e os conflitos de interesse nas políticas públicas”, comenta Marília.

Análise sistêmica dos conflitos de interesse e metodologias do Dossiê Big Food

O Dossiê comporta uma abordagem multimétodo, composta pela análise de informações, entrevistas estruturadas com especialistas e análise documental. Os casos analisados se dividem em oito principais:

  1. Ataques ao Guia Alimentar para a População Brasileira. Publicado em 2014, baseia-se no nível de processamento de alimentos. Em 2016, houve um grande ataque liderado pelas indústrias e encabeçado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, que apresentava a necessidade de revisão. Houve mobilização contrária da sociedade civil;
  2. Disputa pelo Marco Legal da Primeira Infância, programa que chegou a ser composto por cerca de 200 parlamentares. Os legisladores não se colocaram a disposição para debater assuntos polêmicos como aumento do período de licença maternidade, criação de salas de amamentação e a proibição da publicidade infantil, totalmente influenciada por lobby com empresas;
  3. Ataques ao PNAE, política de alimentação mais antiga do Brasil. Tramita na câmara projeto de lei (PL 292/2020) para alterar a normativa do PNAE, que objetiva a criação de reserva de mercado para diferentes produtos alimentícios;
  4. Autopromoção de grandes empresas do setor disfarçada de filantropia, como Mondelez, Pepsico, McDonald’s etc.. Há uma distribuição massiva de ultraprocessados com a premissa de ação social, quando é nítida a relação dos produtos que oferecem com o aumento da obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis, sobretudo durante a pandemia;
  5. No Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CONSEA SP), há grande conflito de interesses: a atual gestão tem ligação com interesses mercadológicos e não cumpre sua função de promover a alimentação saudável de forma isenta;
  6. Na Cúpula dos Sistemas Alimentares, da ONU, a escolha da presidente Agnes Kalibata já foi um aceno ao conflito de interesses: trabalhava com alta tecnologia agrícola, maquinário, novas sementes, agrotóxicos e manteve relações com a agroindústria durante anos;
  7. Rotulagem: em 2019 foi feita uma consulta pública e em 2020 a Anvisa aprovou o modelo de rotulagem frontal. Mas o modelo aplicado é muito inferior a outros países, ignorando evidências científicas. Com base em entrevistas de especialistas, é possível identificar uma clara interferência da indústria, pois o que foi colocado em prática é muito distante do que foi aprovado;
  8. Há desonerações tributárias de bebidas como refrigerantes e outras bebidas açucaradas, incentivadas pelas indústrias, que favorecem seu consumo desenfreado.

“O Dossiê é apenas a ponta do iceberg”, diz Janine, “há muitas outras coisas que acontecem na indústria que ainda não fomos capazes de identificar”. Para ela, um documento assim é capaz de incentivar que a sociedade civil busque seus próprios mecanismos para combater esse cenário no qual as grandes empresas controlam o jogo político do setor de alimentos. Marília, consoante a fala da colega, coloca que “é preciso desnaturalizar a interferência da indústria”.

Problemas alimentares no Brasil e a tributação de alimentos

Na live, Janine faz uma exposição sobre os principais problemas dos sistemas alimentares no Brasil hoje. Além do cenário de insegurança alimentar – que se agravou durante a pandemia de covid-19 – , há fatores como a visão dos alimentos como commodities e fonte de lucro, predominância do modo de produção agrícola ligado ao agronegócio e a destinação de alimentos base como insumos para ultraprocessados. Esses aspectos influenciam negativamente a alimentação do povo brasileiro e interferem na elaboração de políticas de governo efetivas para combater a fome e o encarecimento dos alimentos para consumo.

Além de políticas de alimentação diretas, a tributação também poderia ser utilizada como ferramenta do poder público para regular o consumo e distribuição de alimentos no território nacional. No entanto, quaisquer mudanças propostas são derrubadas pelos interesses de grandes empresas, que não estão dispostas a abrir mão de largas margens de lucro para resolver os desequilíbrios alimentares que se observam hoje.

O setor das bebidas açucaradas, por exemplo, recebe inúmeros subsídios fiscais, pois está diretamente ligada ao setor agrícola de produção de cana, um dos insumos de exportação mais rentáveis ao agronegócio brasileiro. Sem a revisão dos impostos sobre as bebidas açucaradas, a desoneração tributária sobre refrigerantes, por exemplo, favorece o aumento de seu consumo.

Essa relação comprova a direta interferência de grandes empresas nas decisões que favorecem um setor específico e como estão a mercê de um jogo político. “A interferência dos interesses privados no ambiente público é um entrave para a promoção dos ambientes alimentares saudáveis”, comenta a nutricionista.

A indústria contra a rotulagem de produtos

Um exemplo de política efetiva para combater o cenário de desequilíbrio alimentar que se observa hoje no Brasil é a alteração dos padrões de rotulagem dos alimentos, com o intuito de deixar mais explícitas as substâncias nocivas presentes em ultraprocessados e alimentos transgênicos. No entanto, mesmo após aprovação pela Anvisa, a prática do projeto foi diferente do acordado entre setor público e privado.

A criação da chamada “Rede rotulagem”, composta por 21 organizações da alimentícia que atuavam em coalizão, foi uma das forças contrárias às mudanças propostas pela sociedade civil. Sua forma de atuação se dava através de reuniões frequentes com membros de alto cargo da Anvisa, nas quais defendiam que o “poder de escolha” do consumidor seria afetado por uma nova regulação. De acordo com dados obtidos na elaboração do Dossiê, a agenda de funcionários à frente da Anvisa, em 2016, foram, em sua maioria, reuniões com essas organizações privadas ligadas ao setor de alimentos e bebidas.

Na tentativa dessas organizações de difundir a ideia de que não há “alimentos ruins”, que tudo depende da quantidade consumida, há evidência da encomenda de pesquisas enviesadas para se sobrepor as evidências científicas já comprovadas de que há sim alimentos que não deveriam ser consumidos. Esses estudos financiados são perigosos porque têm espaços na imprensa e acabam trazendo uma falsa noção do impacto da tributação e rotulação na alimentação saudável, pois os dados são “adaptáveis” de acordo com os interesses defendidos por esse setor.